quinta-feira, 15 de maio de 2014



He woke up from dreaming and put on his shoes
Started making his way past
Two in the morning
He hasn't been sober for days

Levantei-me da cama em um supetão. Havia alguns dias desde que eu tinha voltado da Austrália e ninguém sabia, sequer minha família ou meus antigos amigos... Eu poderia realmente os chamar assim? Eu já não poderia dizer isso. A cama do hotel não me parecia confortável e o ar condicionado ligado no mínimo não expulsava para longe o calor que tomava conta de meu corpo de maneira tão irritante e desconfortável. Desde que eu tinha chegado não parava de beber. Era errado, eu realmente sabia que era errado, mas os diversos pensamentos que tomavam conta de minha mente durante a semana só eram expulsos se um agente externo os expulsasse, e o único que encontrei eram as diversas garrafas que eram repostas no frigobar posicionado abaixo da escrivaninha que eu deixava organizada com materiais de estudo.
Eu me mudaria para o quarto da Acadamia Samezuka dali a alguns dias, mas eu não conseguia parar de pensar no quão bom deveria ser voltar para a casa... Não para o meu quarto, e sim para o quarto dele. Eu não poderia o obrigar a me receber, mas eu queria poder o ver novamente.
Uma dor atravessou meu peito. Sentei-me rapidamente.
Ele era o problema? Em todo esse tempo era apenas ele? Não, eu não conseguiria me responder tão facilmente, não enquanto minha cabeça ainda doía devido à ressaca. Mas fui insistente. Levantei o mais rápido possível, por mais que eu estivesse tonto, e calcei rapidamente os meus tênis de corrida, não me dei ao trabalho de mudar de roupa, afinal, eu havia adormecido com as roupas casuais que trajei assim que sai para beber. Não peguei o celular ou a carteira, deixei ambos em cima da mesa, e corri porta afora. 

Leaning now into the breeze
Remembering Sunday, he falls to his knees
They had breakfast together
But two eggs don't last
Like the feeling of what he needs

Senti a brisa gélida atingir meu rosto assim que eu saí pelas portas do hotel. Arrependi-me de não ter pegado um casaco, mas continuei a correr por mais que meus pulmões ardessem. Observava com atenção o ambiente pelo qual passava, resistindo ao impulso de ir para os locais errados que apenas fariam que eu caísse novamente nos atrativos de bebidas que faziam minha garganta arder. Ir para a Austrália fizera com que eu crescesse, mas não me tornou a melhor pessoa do mundo e como eu me arrependia por isso. De qualquer forma, como eu poderia ter me tornado alguém melhor? Como eu conseguiria ser um rapaz de bom humor depois de tantos traumas? Se eu me esforçasse poderia ouvir os gritos para que eu calasse a boca, se eu pensasse mais conseguiria sentir a dor dilacerante que me cortava o interior a cada movimento brusco. Meus colegas mais velhos diziam que aquilo era necessário, falavam que era preciso que eu parasse de ser sorridente e esperançoso, a vida nem sempre me daria suporte, meus amigos nem sempre estariam ao meu lado. Eu poderia parar de existir a qualquer momento, eles gritavam enquanto eu era calado por uma mão alheia, então a dor que eu passava dentre todos eles não se comparava a deixar de viver.
“Parem!” gritei e fechei os olhos, caindo de joelhos no chão enquanto colocava as mãos em minhas orelhas, implorando para que todas àquelas vozes se calassem ou eu acabaria ficando louco. Minha dor de cabeça piorava e meu peito doía como nunca antes, mas eu havia aprendido a lição, eu não poderia simplesmente cair. Não deixaria que ninguém me passasse à perna novamente. Em meio aos gritos eu pude o ver. Ele continuava ali.
Eu precisava dele.

Now this place seems familiar to him
He pulled on his hand with a devilish grin
He led him upstairs
He led him upstairs
Left him dying to get in

Abri meus olhos para tentar ver onde eu estava. A primeira casa a ocupar meu campo de visão fora o motivo para que eu tomasse coragem e me levantasse, me apoiando em um de meus joelhos antes de ficar em pé, procurando o local correto. Eu conhecia aquele lugar, não lembrava seu nome, mas sabia bem onde ficava.
Passei minhas mãos por meus cabelos e continuei a corrida entre as diversas casas em padrões diferentes. Desejava chegar o mais rápido. Eu conseguia ouvir os gritos de meu coração por mais, eu precisava encher minha mente de novas lembranças ou eu não teria forças... Eu não conseguiria seguir em frente enquanto não o deixasse ser minha válvula de escape em meio à loucura que já começava a ser uma ótima amiga nas horas vagas. Queria segurar novamente sua mão para poder entrelaçar meus dedos aos seus, desejava poder relembrar o seu cheiro para deixá-lo marcado em uma de minhas camisetas. Eu nunca havia ansiado tanto um toque quanto o dele, e eu sabia que isso nunca iria mudar... Ele era o único que ocupava minha mente desde que eu havia partido. Ele sempre seria o único.

Forgive me, I'm trying to find my calling
I'm calling at night
I don't mean to be a bother
But have you seen this boy?

Desci as diversas escadas o mais rápido possível, não me importando com os pequenos tropeços ou quase quedas que se sucediam a cada vez que eu pensava ouvir sua voz. Logo a frente havia uma pista, a única pessoa que poderia me ajudar, e não hesitei em momento algum quando bati na porta e toquei a campainha mais de uma vez. Eu não me irritei com a surpresa em sua expressão e não me incomodei quando ele perguntou se ele estava bem, apenas fui rápido, perguntei onde ele estava assim que fui convidado para entrar em sua residência. Não me dei ao trabalho de tirar meus sapatos ou sequer me sentar, apenas ajoelhei no chão e pedi novamente o que eu desejava.
“Rin, você tem certeza que está bem para o ver?” pude ouvir a pergunta enquanto eu observava o chão fixamente, contando diversas vezes quantos riscos havia na madeira para esquecer, de alguma forma, como era chorar. Eu não queria ter que o olhar agora, não se ele fosse ter pena de mim, não se ele fosse passar a mão em minha cabeça para dizer que tudo iria ficar bem, porque eu sabia que não ficaria.
Assenti em resposta, ambas as mãos apoiadas em meus joelhos enquanto eu esperava que ele anotasse o endereço em um pedaço simples de papel, o qual peguei com pressa, agradecendo em um murmuro antes de sair pelas portas com mais pressa do que nunca. Aquela era a confirmação de que eu poderia ter um sinal, de que eu poderia alimentar minhas esperanças com um mínimo copo d’água para que elas conseguissem gritar novamente que eu era capaz de recuperar os sorrisos vagos para poder os desgastar em algo que valesse a pena. Por ele tudo valeria a pena.

Waking the neighbors, unfamiliar faces
He pleads though he tries
But he's only denied
Now he's dying to get inside

Parei de correr e recuperei o ar quando observei o número da casa iluminado por uma lâmpada simples em meio às outras residências escondidas na escuridão. O papel, que antes me servia de guia, fora amassado e colocado em meu bolso o mais rápido possível enquanto eu andava em direção à porta. Quantas vezes eu já tinha feito o mesmo caminho? Talvez mais de cinco, provavelmente menos do que dez. Éramos tão próximos e tínhamos nos desaproximado tão rápido, sem aviso prévio, que meu eu conseguia ouvir minha sanidade pedir por socorro em berros desesperados. Era ele que me mantinha em pé, a partir do momento em que ele se aproximou eu já não conseguia me manter sozinho. Era vergonhoso lembrar que eu não o liguei ou que fui embora após ver minha derrota, mais doloroso ainda lembrar que ele sentia minha falta e eu neguei qualquer sinal desta sem sequer parar para perceber a dor em seu olhar.
A porta se tornava um pesadelo a cada minuto que eu passava ali, apenas a observá-la sem mover um músculo. Eu havia erguido a mão para bater ou tocar a campainha, mas perdi a conta de quantas vezes a abaixei por desistência. Desde quanto eu tinha me tornado tão fraco perto dele? Seria ele algum tipo de kriptonita? Eu não saberia dizer.

But it's starting to all make sense
Oh, I can see now that all of these clouds
Are following me in my desperate endeavor
To find my whoever, wherever he may be

Observei o céu quando senti o primeiro pingo da chuva em meu ombro e desviei o olhar assim que um clarão de luz iluminou minha face com determinação. A porta havia sido aberta e do outro lado dela estava quem eu procurava, ou seria ele a pessoa por quem meu coração mais procurava? Não soube responder, apenas me permiti e agir, e fora um impulso desesperado que me levara a o envolver com meus braços quando meus olhos começaram a ficar marejados novamente.
“Rin...” o ouvi chamar em um sussurro enquanto ele me puxava para dentro, por mais que eu não permitisse que ele me colocasse longe mais uma vez. Eu nunca mais desejaria o ter longe de mim. “O Makoto me ligou, ele disse que provavelmente não teria coragem de bater.” consegui ouvir o sorriso em sua voz. O único sorriso que me tirava o sono.
“Não posso dizer que estou surpreso.” murmurei durante um leve sorriso, entre os soluços que enchiam minha garganta, fazendo que parecesse que eu havia engolido diversas bolas de bilhar. Pela primeira vez desde que eu entrara me permiti olhar seu rosto, não podendo evitar curvar meus lábios levemente em um sorriso, o qual eu vi que, por mais que imperceptível, fora correspondido. Ele não passava as mãos em meus cabelos ou dizia que tudo iria ficar bem, ele não me falava palavras bonitas ou me convidava para entrar, ele não fazia nada disso porque sabia que não era necessário. Nós dois sabíamos que não era necessário.
“Você está em casa agora, Rin.”

I guess I'll go home now
I guess I'll go home

domingo, 23 de junho de 2013

O loiro deixara que o corpo fosse ao chão com o impacto que atingira seu rosto que ardia na exata marca da mão de seu pai adotivo. Não ouvia sequer uma palavra que este gritava furiosamente enquanto chutava-lhe com o ódio claro no olhar. De longe a pequena podia ser vista por Mihael, olhando a cena assustada enquanto apertava a boneca por entre os braços... A mesma boneca que ele havia a dado há anos e ela sempre segurava como uma cruz quando as brigas entre os dois homens da casa ocorriam. Há tempos a única pessoa da casa que tinha coragem de separar as brigas, tão violentas, havia morrido em uma tragédia pela qual o loiro assumira a culpa e, as brigas que ocorriam com frequência acabaram por ficar mais violentas, sendo o término desta apenas quando o sangue encharcava o piso.
A respiração ofegante dos dois lados da luta ecoavam por entre as quatro paredes do quarto bagunçado. O chocólatra fitava o chão com ódio enquanto tentava se levantar, aos tropeços, para fechar a mala a qual lhe fora designada antes de toda a discussão ter início. Havia escondido algumas barras de chocolate por entre as roupas dobradas de qualquer maneira, além de recursos que poderiam o auxiliar no trajeto que faria na cidade que conhecia há pouco tempo. Sabia que este era o momento certo para partir, pedia perdão silenciosamente para a pequena garotinha ao cruzar o olhar com sua face chorosa. Os dois nunca poderiam se despedir, sabiam disso, e tal fora o motivo para ele ter saído da casa de classe média-alta o mais rápido possível.
Os grandes portões foram fechados com violência quando chegara à calçada, podendo ouvir alguns poucos gritos enquanto se desaproximava em tropeços atrapalhados. Lutava contra a vontade de chorar a cada passo, andando cabisbaixo de forma que não vissem estampada em sua expressão à derrota que acabara por ter com tanta facilidade depois de anos suportando um futuro que sequer deveria ter tido. Andou o resto do dia, permitindo-se parar em uma praça qualquer ao estar cansado o suficiente, deixando os grilos cantarem livremente enquanto se sentava em um banco de concreto. Curvou-se sobre as próprias pernas e deixou que as lágrimas por fim molhassem suas bochechas alvas, soluçando vez ou outra enquanto os cabelos loiros grudavam em suas bochechas. Seu corpo doía por inteiro e nada mais passava por sua mente além de toda a tortura pela qual havia passado durante tanto tempo até enfim se libertar... Estava livre, porém, sozinho e perdido em meio a uma selva de pedra. Soluçou e levou as mãos até a própria cabeça a qual latejava, algo que sempre ocorria quando pensava demais sobre algo. Apenas uma pessoa fazia a dor passar, e ela não estaria ali nunca mais.
— Perdoe-me por interromper este seu momento sentimental. — dissera uma voz a qual fizera que o loiro pulasse no bando, caindo no chão devido ao susto que a figura a sua frente causara. Analisou-o dos pés a cabeça antes de engolir em seco — Mas esse banco é meu e eu preciso dormir. — dissera o ruivo enquanto colocava a mala do outro no chão e ajeitava-se no concreto sujo que compunha o assento.
— O que diabos...? — falara o loiro enquanto se levantava e continha a raiva que aos poucos brotava em seu interior, levantara o punho, porém, deixara que este caísse ao lado do corpo ao ver a estrutura corporal do menor. Era possível ver os ossos de seu rosto assim como sua caixa torácica através da blusa fina, listrada em preto e branco, a qual trajava. Conteve qualquer impulso momentâneo ao conseguir ver os olhos do franzino garoto através das lentes do goggle antigo o qual utilizava. As íris verdes compunham seus olhos cansados e, aparentemente, sofridos.
— Ah, não está acostumado com isso, burguês? Nunca viu alguém dormir na rua? — ao ver o maior negar levemente com um gesto de cabeça o ruivo começara a rir, sentando-se no banco no exato momento em que um soco atingira-lhe o estômago, fazendo com que se curvasse sobre o abdome, arfante enquanto sentia a barriga vazia reclamar pela dor a qual fora adicionada a fome — Que merda é essa, garoto? Está ficando louco? — levantou-se com dificuldade enquanto pronunciava as palavras em berros, socando o rosto do burguês com força, fazendo com que este caísse ao chão. Iria rir, mas fora impedido pelos soluços manhosos, entre lágrimas, do loiro que levava as mãos ao rosto, escondendo-o. Estendeu a mão com receio, ajudando o desconhecido a se levantar enquanto preparava mentalmente as desculpas que teria de falar diversas vezes, como lhe fora ensinado. — O que faz aqui, afinal? — perguntara com a voz rouca, sentindo o corpo hesitar em cada movimento enquanto ajudava-o a se sentar no banco.
— Como se já não bastasse eu ter apanhado durante anos. — murmurou o chocólatra, de forma que ignorasse claramente a pergunta — Sou expulso de casa e ganho de presente o soco vindo de um aspirante a aviador... Isso se ainda tiver pulmões nessas condições. — concluíra rapidamente ao sentir o cheiro de nicotina vindo do ruivo que retirava um maço de cigarros do bolso da calça desgastada. Vasculhara o bolso da própria calça e suspirara aliviado ao encontrar a pequena barra de chocolate na qual dera uma simples mordida... Sentia seus problemas pararem de pesar enquanto o gosto doce e prazeroso do simples doce invadia seu paladar aguçado.
— Bem-vindo ao clube. — murmurou o garoto dos goggles enquanto acendia um fósforo passando este no concreto rapidamente, logo fazendo com que a chama começasse a queimar a ponta do cigarro o qual já pendia em seus lábios. Tragou algumas vezes, deixando-se ouvir o silêncio da praça, antes de soltar a fumaça branca no ar e observa-la se dissipando na brisa gélida que preenchia a noite — Também fui expulso de casa, sabe? Meus pais não gostavam de cigarros e homossexualidade. — disse em tom de deboche enquanto recostava-se no banco, tentando procurar mais alguém por entre o mato que crescia desordenadamente por entre qualquer canto que não houvesse concreto. Rapidamente desviara o olhar para o loiro, estendendo a mão enluvada pela cobertura fina de couro enquanto deixava que um sorriso leve brotasse em seus lábios — Meu nome é Matt.
— Mello. — dissera o maior enquanto apertava a mão do novo conhecido, sorrindo fraco durante o processo enquanto sentia um pequeno calor brotar no peito. Não estava sozinho, afinal.
— Isso parece aquele filme... Como era mesmo o nome? Ah sim...! A dama e o vagabundo — falou sorrindo zombeteiro — No caso, você é a dama. — completou rapidamente antes de sentir os tapas leves e rir alto junto do maior que, ao parar de rir, manteve o sorriso verdadeiro que não mostrava há muito tempo.

No fundo, os dois sabiam, que aquele seria o início de uma grande amizade.